quinta-feira, 24 de julho de 2014

Ariano, presente!

O romancista da alma nordestina
Ariano morreu nesta quarta-feira, 23, às 17h15, aos 87 anos, de parada cardíaca provocada pela hipertensão intracraniana, segundo informou por meio de nota o Real Hospital Português do Recife, onde o escritor estava internado desde segunda-feira, 21, após sofrer um AVC. O velório  público estava previsto para começar ontem a noite, a partir das 23h no Palácio do Campo das Princesas, na área Central do Recife. Já o enterro será no Cemitério Morada da Paz, às 16h, desta quinta-feira (24).

Eleito para a ABL (Academia Brasileira de Letras) desde 1989, Suassuna escreveu mais de 15 peças teatrais e seis romances ficcionais. Ele ficou conhecido nacionalmente por trabalhos como “O Auto da Comparecida”, de 1955. A história —que virou minissérie da TV Globo em 1999 e foi adaptada para o cinema em 2000— é uma comédia dramática na qual dois pobres sertanejos nordestinos, um mentiroso e o outro covarde, valem-se de pequenos golpes e biscates para conseguir tocar a vida.

Obra nacional
Na verdade, Suassuna está fundamentalmente enraizado na cultura brasileira, defendendo-a com clamor, mas também com rigor, separando o joio do trigo. “Um país que tem Os Sertões pode ser dominado politicamente, pode ser aviltado, mas estará sempre a salvo”, disse, certa vez, reafirmando a defesa de uma causa que lhe garantiu acusações de xenofobia, especialmente quando investia contra o que considerava lixo cultural imposto por nações como os EUA. Ele dava de ombros: “Sou velho mas tenho muita energia. Quem quiser duelar comigo, que venha preparado”.

Homem obstinado - não media esforços para traduzir em palavras e imagens a grandeza de seu universo tão particular, de onde saíram personagens e tramas fantásticas - em todas as acepções da palavra. Na literatura, estreou em 1947, com Uma Mulher Vestida de Sol, mas foi com Auto da Compadecida (1955) que se tornou nacionalmente conhecido. A peça nasceu da fusão de três folhetos de cordel: O Enterro do Cachorro, O Cavalo Que Defecava Dinheiro e O Castigo da Soberba. Conta com 16 personagens e exibe conexões com o teatro medieval, especialmente com Calderón de La Barca.

Tal mescla se tornou uma de suas principais características. A sátira social marca O Casamento Suspeitoso, de 1957, a menos rural das peças de Suassuna, não apenas pelo tema como pela estrutura. Com O Santo e a Porca, também do mesmo ano, Suassuna criou personagens pertencentes às famílias constituídas e a temática em ambas é centrada no interesse pelo dinheiro associado ao matrimônio.

Os personagens de Ariano retomam a tradição do teatro popular, “a dupla circense que o povo, com seu instinto certeiro, batizou admiravelmente de o Palhaço e o Besta”, como disse ele, certa vez. Outros elementos típicos da cultura brasileira que ali aparecem são o bumba meu boi e a propaganda popular nordestina. Suassuna ainda evocava os empregados espertos e independentes de Molière e da Commedia dell’Arte.

A mistura de elementos aparentemente tão díspares confere um tom singular à obra, pois Suassuna exibe uma sociedade voltada para o esnobismo e a difamação - assim, a simpatia do público é naturalmente dirigida aos que se opõem a essa sociedade ou dela são excluídos.

Mundo sertanejo
“Meu teatro procura se aproximar da parte do mundo que me foi dada”, disse. “Um mundo de sol e de poeira, como o que conheci em minha infância, com atores ambulantes ou bonecos de mamulengo representando gente comum e, às vezes, representando atores, com cangaceiros, santos, poderosos, assassinos, ladrões, palhaços, prostitutas, juízes, avarentos, luxuriosos, medíocres, homens e mulheres de bem - enfim, um mundo de que não estejam ausentes - senão no teatro, que não é disso, mas na poesia ou na novela - nem mesmo os seres da vida mais humilde, as pastagens, o gado, as pedras, todo esse conjunto de que o sertão está povoado.”

Ariano também foi o idealizador do Movimento Armorial, que tem como objetivo criar uma arte erudita com os elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro. Tal movimento procura orientar para esse fim todas as formas de expressões artísticas: música, dança, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, arquitetura, entre outras.

Dos seus textos narrativos, o mais marcante foi O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, publicado em 1971. Inspirado em um episódio ocorrido no século 19, no interior de Pernambuco, o livro acompanha Quaderna, personagem que é preso na cidade de Taperoá por subversão.

Ele faz a própria defesa diante do corregedor e, para tanto, relata a história de sua família, escrita na prisão. Declara-se descendente de legítimos reis brasileiros, castanhos e “cabras” da Pedra do Reino - sem relação com os “imperadores estrangeiros e falsificados da Casa de Bragança” - e conta o seu envolvimento com as lutas e as desavenças políticas, literárias e filosóficas no seu reino.

Um “romance-memorial-poema-folhetim”, como definiu Carlos Drummond de Andrade, o livro é considerado um monumento literário à cultura caboclo-sertaneja nordestina, marcada pelas tradições do mundo ibérico.


Tribuna do Norte

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